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terça-feira, 31 de maio de 2022

AS MISSÕES E OS SEUS DESAFIOS - O desafio cultural - I

 

O DESAFIO CULTURAL 

I. A GAIOLA CULTURAL

A cultura de um povo é como uma gaiola na qual ele se encontra. Essa gaiola não somente o define como um povo X, mas também determina o seu comportamento, as leis, regras, normas e valores sociais, morais e religiosos, os conhecimentos, as crenças, a arte, os usos e costumes, os hábitos, as capacidades e as regras de comunicação. Quando um indivíduo não respeita a cultura e o seu  jeito de comportar-se não se afina com o que a cultura determina, ele é discriminado e mal visto pela sociedade local. A cultura é algo intrínseco, não dito nem discutido. Desde crianças, aprendemos o que se deve ou não se deve fazer, o que é certo e o que é errado, e o que é aceitável ou não dentro dos padrões da nossa cultura.

Antes de começar a discorrer sobre a cultura, é importante dizer que há variação nas regras, dependendo do lugar, da etnia, do grau de educação, do contato com o exterior ou com o branco, etc. Portanto, falarei da cultura senegalesa de modo geral e tradicional. Os senegaleses que assistem televisão e cinema normalmente aprendem muito da cultura ocidental, e quando estão com os estrangeiros, comportam-se de maneira diferente, quebrando algumas normas culturais sem constrangimento. Mas isso não significa que com os seus compatriotas, eles fariam a mesma coisa. Assim, os missionários que querem aprender como comportar-se corretamente na cultura local, devem antes observar como os nacionais, e mais especificamente os grupos étnicos, se comportam entre si e nos seus relacionamentos um com o outro dentro da sua própria etnia ou com pessoas das outras.

Quando o missionário chega ao campo, ele carrega toda a sua cultura de origem dentro dele, e isso muitas vezes inconscientemente. Por exemplo, quando cheguei, estranhei que usassem a vassoura sem cabo. Julguei quase como uma falta de inteligência dos nacionais em não colocar cabo na vassoura! Via mulheres varrendo uma casa enorme e um pátrio inteiro curvadas e sem dobrar os joelhos! Ficava impressionada com isso, e sobretudo preocupada com suas colunas vertebrais! Eu vivia dizendo para meu esposo (de cultura senegalesa): "Cuidado, meu bem! Você vai machucar a coluna!" Ele só me observava, sem responder. Mas, um dia, ele teve coragem de confrontar-me: "Você conhece um senegalês que sente dor de coluna?" De fato, eu já tinha quase 10 anos no Senegal, e me dei conta que nunca tinha ouvido uma queixa de ninguém quanto a isso! Então respondi: "Não." E ele retrucou: "Engraçado! Quase todos os brasileiros que conheço têm problema de coluna!" Foi o suficiente para cair a ficha. Julgamos rapidamente a cultura estrangeira segundo a nossa. É como se ficamos dentro da nossa gaiola, pensando que os que estão na outra são menos felizes, corretos e inteligentes, que sentem as mesmas coisas que nós. Isso é insensato da nossa parte. O missionário necessita desesperadamente sair, se desapegar da sua gaiola cultural e entrar de cabeça na gaiola estrangeira, para que aprenda a outra cultura sem compará-la inutilmente com a sua. Mesmo porque esse tipo de comparação não leva a nada, uma vez que o missionário já está, querendo ou não, na gaiola alheia. 

Geralmente, quando o missionário chega ao campo, ele conhece muito pouco ou quase nada a  respeito da cultura local do povo com o qual vai trabalhar. Por isso, é tão necessário observar com detalhe as pessoas em suas relações com outros nacionais, com suas famílias, seus filhos, sua forma de agir e de reagir, de se vestir, de se comportar e de se comunicar entre gêneros e gerações, tomando nota de tudo para não esquecer e fazendo perguntas tanto aos missionários veteranos quanto ao próprio povo local. Mesmo quando for mandar fazer ou comprar uma roupa, é necessário perguntar se aquele modelo condiz com sua idade, para não correr o risco do ridículo. Essas coisas podem parecer tão óbvias na nossa própria cultura, mas estão longe de ser, quando estamos vivendo numa cultura estrangeira. É preciso tudo questionar e perguntar sempre a um nativo antes de fazer ou vestir algo, para não cometer erros drásticos, como o caso de uma missionária que amarrou um tecido usado como lingerie íntima na cabeça, pensando que era um lenço, e outra que coloca salto com  "pagne" (tipo de pareô com tecidos coloridos) e blusa por dentro, e vai  para a igreja assim, sem nem imaginar que está usando uma roupa de trabalhar em casa ou ir à feira, que a camiseta se usa por fora e que se usa chinelo como acessório. Já passei pela triste experiência de homens reclamando que esqueci os brincos (inadmissível na cultura africana em geral) e outros que minha tornozeleira não era compatível com minha moralidade (A tornezeleira no Senegal é usada por mulheres de moral duvidosa). Tive que aprender a usar brincos todo o tempo e ter sempre um par deles na bolsa para nunca esquecer! E claro, renunciar às minhas tornezeleiras tão amadas... É preciso tudo reaprender! Inclusive como se vestir apropriadamente, segundo as situações sociais.

NUMA OUTRA CULTURA, É PRECISO COMEÇAR DO ZERO E REAPRENDER A VIVER

Quando eu cheguei ao Senegal e comecei a visitar lugares e ver o povo, depois de alguns dias eu disse para mim mesma: Esse povo é um pouco diferente na aparência, mas por dentro, eles são iguais a nós, os latinos: alegres, brincalhões, risonhos, e gostam de festejar. Mas, com o passar do tempo, fui percebendo as regras sociais e os valores culturais, alguns tão antagônicos aos nossos que cheguei à conclusão de que os senegaleses eram totalmente diferentes (desde a moda exterior, o gosto pela mistura de cores fortes, até a cosmovisão (a maneira de pensar, os valores, a cultura, a religiosidade, etc.), e que eu teria que me esforçar para compreender não somente as suas ações e reações, mas também as suas motivações e porquês. 

O choque cultural é inevitável. E com ele vem o sentimento de nada saber, de não conseguir, de frustração, de incapacidade, e até mesmo de rejeição da nova cultura. É um momento extremamente delicado, mas tão necessário na vida de cada missionário. Dele dependerá o seu futuro no campo. É preciso atravessar o choque cultural de maneira madura, lidando com esses sentimentos com muita oração e busca do Senhor. Lembro-me ainda de, nos meus primeiros tempos no Senegal, dormir de frente para as minhas malas, e de cada dia, ao deitar-me, chorar muito na minha solidão como solteira, e com o desejo de abandonar o campo e voltar para o Brasil. É muito difícil. É muito diferente também de alguém que deixe seu país de origem com objetivos turísticos, de trabalho ou financeiros, embora também sofram bastante no país estrangeiro. Nesse caso, não haveria tanta necessidade de integração cultural. Mas para os missionários, é essencial que se integrem, de outra maneira passariam toda a sua vida infelizes e rabugentos no campo, sempre pensando "nas cebolas do Egito" (risos), na goiabada, na picanha, no cuscuz, no acarajé, enfim, nas delícias que deixou para trás, no conforto que perdeu, na facilidade da vida no seu próprio país e em tantas outras coisas... Esse seria o fracasso total da missão. Pois, como seria um missionário sempre saudoso, triste, reclamador, eternamente nostálgico da sua terra, da sua comida e do seu povo? Que mensagem divina ele conseguiria transmitir a respeito da paz, da satisfação que Cristo dá e da alegria da salvação em Cristo?

De fato, sem essa compreensão profunda, o missionário não consegue penetrar na nova cultura. Assim, quando o missionário chega ao campo, ele sente-se como um bebê indefeso: não sabe falar nem ler nas línguas locais, não entende o que o povo fala, não pode ser independente como na sua terra, não sabe resolver nada nem se comportar corretamente. É preciso começar do zero, pedir conselhos e ter muita humildade  para aprender a viver numa cultura diferente, sobretudo quando se quer ter um relacionamento mais profundo com o povo nativo, com o objetivo de levar o evangelho de uma maneira que lhes seja aceitável e que observe tanto quanto possível as normas e tradições culturais do país. Por isso, é primordial que o missionário faça este mergulho na cultura local (começando pela língua), esforçando-se para sair drasticamente da sua gaiola cultural e entrar na nova, de modo a aprender uma outra maneira de viver e aceitá-la sem julgamentos baseados na sua cultura de origem. Isso não significa que ele rejeitará a sua própria cultura, mas que deverá desapegar-se dela temporariamente para melhor adaptar-se à cultura do campo onde trabalha. 

A missão é feita de muita renúncia. É importantíssimo que o missionário renuncie a si mesmo por amor a Cristo, Aquele que se despiu de toda a Sua glória celeste para "tabernacular" entre nós e nos salvar. Foi perfeitamente judeu, embora tenha muitas vezes confrontado a hipocrisia da religiosidade vã dos fariseus. O  missionário não vem para julgar, criticar ou condenar a maneira de viver de um povo diferente do seu, mas amá-lo, abraçá-lo, e tornar-se um com ele. Só assim, terá liberdade para compartilhar seu testemunho e o evangelho de maneira eficiente e eficaz.

QUERIDA IGREJA, CLAME PELOS MISSIONÁRIOS!

- Ore para que os missionários consigam vencer o choque cultural de uma maneira sadia, física e emocionalmente;

- Ore para que Deus lhes dê a graça de aceitar a nova cultura sem julgamentos e preconceitos;

- Ore para que Deus os ajude a sair da sua gaiola cultural e mergulhar no campo, tendo uma forte integração com a nova cultura, para que possam fazer amizades através das quais poderão testemunhar melhor;

- Ore para que Deus lhes dê sabedoria no lidar com a cultura diferente, para serem justos, humildes e amarem de todo o coração o povo para o qual Deus os chamou;

- Ore para que Deus lhes dê força, motivação e facilidade para aprender as línguas locais;

- Ore para que se adaptem rápida e alegremente à cultura do campo, com muita graça divina!




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